Soldado Dedicado

Participa dos meus sofrimentos, como um bom soldado de Cristo Jesus.  Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou. (I Tm 2.3,4)


As experiências como prisioneiro deram a Paulo ampla oportuni­dade de observar os soldados romanos e de meditar no paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está envolvido; referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar (Ef 6: 10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas aqui o bom soldado de Jesus Cristo é as­sim chamado por ser um homem dedicado, que mostra sua dedi­cação por se achar sempre disposto a sofrer e estando permanente­mente em guarda. Os soldados em serviço não contam com se­gurança e facilidade. Pelo contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à batalha deixan­do um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto".De igual modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evan­gelho, certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deve­rá sofrer em conjunto com seus companheiros de armas.
O soldado deve sempre se achar disposto a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo, "não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposi­ção de seu oficial comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento". Assim, na Segunda Guerra Mundial, com freqüência se dizia, com um sorriso bem significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta, suficiente para justificar toda austeridade, auto-renúncia ou abstenção de atividades irrele­vantes, em vista da situação de emergência do momento.
O cristão, que deve viver neste mundo e não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que "Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm 4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as atividades "seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta vida" que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as batalhas de Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro cristão. Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de Cristo; e há outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não tomar a carga adicional de prover o seu sustento com algum emprego "secular".
É fato que o próprio apóstolo proveu amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que pudesse propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qual­quer obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda vindicou o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor, de que os que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9: 14).   De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e isto precisa ser lembrado em dias como os nossos,   quando   ministérios  "auxiliares",  "suplementares"  e  de tempo parcial" têm aumentado em número, ficando o pastor com seus negócios ou com sua profissão, exercendo o seu ministério com o tempo que sobra. Não se pode dizer que tais ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios desta vida. A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana exorta os candidatos com as seguintes palavras: "Atentai para o zelo que deveis ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e por esta mesma causa deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível) todos os cuidados e zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este ofício, . . . aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos esforços neste sentido".
A aplicação de tal versículo não é somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o nosso temperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se que­remos ser bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à bata­lha, comprometendo-nos com uma vida de disciplina e de sofri­mento, e evitando tudo o que possa nos "envolver" e assim nos desviar do seu propósito.


John Stott

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